Suicídio de Getúlio Vargas completa 67 anos
Sua carta-testamento, na qual dá suas razões para o gesto extremo, é um dos mais conhecidos documentos históricos

Getúlio Vargas suicidou-se com um tiro no peito na madrugada de 24 de agosto de 1954 após ter sido informado de que os Altos Comandos Militares exigiam o seu licenciamento do cargo de presidente da República como condição para a solução da crise política em que seu governo se viu envolvido nos últimos anos de seu segundo mandato.
A perplexidade com o suicídio tomou conta do Brasil. Escolas liberaram os alunos, o comércio fechou e as fábricas desligaram as máquinas. As pessoas caminhavam tontas pelas ruas. Getúlio Vargas estava morto.
Era o desfecho sangrento do drama que o país acompanhava pelo rádio e diante das bancas de jornais. Impotentes para reagir, as multidões dispersas pelas ameaças voltavam a se formar a alguns metros adiante para chorar.
O dia 24 de agosto passou a ser data de luto popular e também dia significativo do nacionalismo brasileiro, profetizado pela Carta Testamento. A mensagem final de Vargas sinalizava caminhos para o Brasil encontrar-se com sua soberania, com o desenvolvimento e com o equilíbrio social.
Getúlio foi, pelo tempo que governou (19 anos) e pela obra deixada (legislação trabalhista, montagem do Estado Nacional, indústria de base…), um dos mais importantes estadistas brasileiros. Foi chamado de Pai dos Pobres, O Chefe, O Homem.
Sua morte causou indignação nacional. As ruas do Rio foram tomadas pela população e no Centro foram registrados protestos violentos.
O velório de Getúlio foi no próprio Palácio do Catete e a fila de populares dava volta no quarteirão. Pessoas choravam, soluçavam e desmaiavam de dor. Posteriormente, o cortejo até o Aeroporto Santos Dumont foi acompanhado por uma multidão. O caixão de Getúlio Vargas foi carregado nos braços do povo e colocado num avião e trasladado até São Borja onde foi sepultado.
A história do Getúlio pode ser conferida no Museu da República onde são preservados e expostos o pijama que ele usava ao se matar e a própria arma que usou. Sua carta-testamento, na qual dá suas razões para o gesto extremo, é um dos mais conhecidos documentos históricos.
Carta-testamento de Getúlio Vargas
Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
(Rio de Janeiro, 23/08/54 – Getúlio Vargas)