Programa de Pós-Graduação em Ensino na Saúde – Mestrado profissional
A INADEQUAÇÃO DOS MODELOS DE FORMAÇÃO EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Faculdade de Medicina
Programa de Pós-Graduação em Ensino na Saúde – Mestrado profissional
Disciplina: Ateliê de Pesquisa II
Professores: Fabiana Schneider Pires e Paulo Peixoto de Albuquerque
A INADEQUAÇÃO DOS MODELOS DE FORMAÇÃO EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS
A fragilidade das políticas de educação em saúde vigentes no país reflete o atual contexto político e cultural. Essa fragilidade causa uma dissintonia entre essas políticas, as diretrizes específicas voltadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e o que a população espera dos profissionais nos serviços de saúde, ocasionando diferentes olhares e a impressão de que nada está funcionando.
Como as políticas públicas de saúde pertencem ao campo das ciências humanas que estabelece uma relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento, essas políticas impactam diretamente na vida dos cidadãos e dos profissionais da saúde, e como há múltiplos determinantes envolvidos (e, por vezes, contraditórios), é comum que as forças atuantes, como num ‘cabo de guerra’, puxem a corda em direções opostas em decorrência de interesses individuais e políticos que envolvem os rumos de toda política em saúde.
Se numa ponta a população espera profissionais de saúde preparados, formados para atuar interdisciplinarmente, dominando todas as variantes que envolvem o espaço, o humano, a doença, e por isso capazes de intervir de forma acertada nas questões de saúde, na outra ponta se encontram as políticas de governo, os interesses coorporativos, o desconhecimento da realidade e da importância do tema por parte dos legisladores, o pouco incentivo à mudança dos atuais modelos de formação profissional e as universidades que continuam a fazer uma educação distanciada das necessidades esperadas pelo mercado e pela população. Em cima dessa corda estão os serviços e os profissionais de saúde tentando se equilibrarem para conseguirem atender a população com os recursos que dispõem, estrangulados por políticas inflexíveis que cobram produção e formação, porém que impedem a formação e a qualificação, pois entendem que se o profissional está se qualificando, ele não está atendendo, logo não está produzindo. Logo, é necessária que haja uma mudança significativa nas políticas e no processo de ensino profissional (teoria versus prática), de modo a permitir uma melhor eficiência dos recursos humanos existentes nos serviços de saúde, resultando numa maior eficácia ao atendimento à população.
As políticas atuais incentivam o trabalho centrado no individualismo dos profissionais de saúde, e se opõem ao ensino interprofissional por competências, tão estudado e discutido nas universidades e nas formações em serviço. Um exemplo de incentivo a esse individualismo é o aumento na criação e na oferta de cursos em Ensino a Distância (EAD) aos profissionais da saúde, pois, apesar de serem atrativos enquanto facilitadores da formação e funcionarem bem enquanto ferramenta pedagógica, o distanciamento nas relações interpessoais, a dificuldade de se ter o espaço para debate e problematização, a excessiva interação do estudante apenas com a máquina (computador, celular, tablets, etc), transparecem não apenas uma falta de comprometimento com a qualidade do ensino promovido, como também uma desvinculação com o cenário real de prática, com aprendizado interdisciplinar e interprofissional, com tutoria no local para auxiliar nas questões do aprender por parte do profissional da saúde. Nesse sentido, as políticas vigentes buscam qualificar e facilitar a formação do profissional de saúde ou está voltada ao mercado coorporativo, com inclinação à queda na qualidade do ensino ofertado, e despreocupada com a formação do profissional que estará na linha de frente no atendimento à população?
Outro aspecto importante é a má gestão dos recursos públicos em educação na saúde que fortalece um ensino fragmentado, cujos conhecimento e cuidado insuficientes às necessidades de mercado, quando associados à falta de informação da população sobre as políticas públicas e a interesses de grupos específicos na gestão, ocasionam incoerência nas ações coordenadas, ineficiência dos programas em saúde e uma série de problemas na comunicação entre ensino-serviço-gestão, e, por conseguinte, insatisfação da população com os serviços e com os profissionais da saúde, e a impressão de que nada funciona.
Logo, o que falta é a implementação de um modelo de formação em saúde que associe a teoria com a realidade do serviço, provocando o profissional a refletir sobre sua prática, dando ênfase a atuação interdisciplinar e interprofissional, bem como um modelo de gestão que permita aos gestores um maior conhecimento sobre o SUS (nos seus múltiplos aspectos), para que possam compreender os processos e as demandas dentro de contextos amplos e específicos, para, então, encontrar as soluções de maneira adequada com os recursos humanos que possuem à sua disposição e gerência.
Desse modo, não se pode mais admitir a manutenção de uma formação profissional que não possibilite a reflexão do profissional sobre a prática diária, tornando-o incapaz a se comprometer com o trabalho, uma vez que o sistema por ser fragmentado, não o autoriza a responder às demandas atuais com eficácia e eficiência, e, em consequência disso, pactuando com uma assistência desintegrada e desumanizada. Logo, é fundamental dizer que a permanência do atual modelo de formação dos profissionais da saúde perpetua a fragmentação do conhecimento, do cuidado e da assistência, dificulta a integralidade do atendimento ao usuário, e amplia as desigualdades sociais.
Por fim, é preciso que o Estado reconheça e implemente políticas públicas de educação em saúde sustentáveis, que empoderem a interprofissionalidade e autorizem formação e práticas interprofissionais e de redes com o objetivo estratégico de qualificar verdadeiramente o serviço de saúde e de combater às problemáticas sociais, já que essas políticas são fundamentais e determinantes ao acesso à saúde com qualidade e com universalidade para a população, e somente essas políticas é que podem garantir a diminuição da desigualdade social e da injustiça existentes no acesso à saúde, de modo a proporcionar a formação de hábitos e de valores mais políticos e saudáveis, capazes de construir uma cidadania ativa e crítica, com preservação ambiental e sustentabilidade. Em suma, somente o reconhecimento da importância do papel das políticas públicas pelo Estado é o que pode garantir uma mudança nos modelos de formação de profissionais da saúde, e apenas quando essas políticas alinharem gestão em serviço, formação profissional, necessidades de mercado e da população, e condições sustentáveis da prática em saúde é que o ‘cabo de guerra’ deixará de existir para ser transformar em redes de gestão, autossustentáveis e capazes de fazer a diferença a quem mais precisa: todos nós.
TEXTO PRODUZIDO PELA TURMA 2018/02