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Plantões de bebidas serão obrigados a fechar à meia noite

Ação Civil Pública movida pelo MP foi deferida pela justiça. Município de Dom Pedrito e proprietários dos estabelecimentos alvo da ação serão citados para cumprir a decisão, que ainda é passível de recurso

O documento datado de 1ª de agosto, oriundo do Ministério Publico, através do Promotor de Justiça Francisco Saldanha Lauenstein propôs uma Ação Civil Pública contra o município de Dom Pedrito e também aos estabelecimentos intitulados “Plantões de Bebidas” ou similares.

O caso é antigo e na decisão ora deferida pela justiça, foi levada em conta um abaixo assinado feito por moradores, vizinhos de um dos estabelecimentos citados na ACP, onde consta que há colocação de musicas alta, além de já ter ocorrido brigas e que os frequentadores do local fazem suas necessidades na rua. Outros abaixo assinados foram feitos em 2 de março de 2018 e 13 de março de 2018 por pessoas que moram próximas à locais onde estão esses estabelecimentos.

Nos documentos encaminhados à Promotoria de Justiça local, aparecem os motivos das solicitações como: Veículos com som em alto volume das 24h até as 6h; uso de diversas drogas nos portais das residências; prática de ato sexual em via pública; lixo proveniente do consumo de bebidas e garrafas quebradas; tiroteios e armas escondidas em jardins; pichações em paredes residenciais; brigas e chutes nas grades e portões que danificam as residências; utilização de portais com banheiros, nos quais os moradores encontram quaisquer tipos de desetos humanos; dificuldade dos moradores em ter acesso às suas casa, sendo que, muitas vezes os mesmos são intimados ao tentar adentrar em suas residências; está sendo negligenciado o direito de descanso (sono) aos moradores (…)”.

O MP requisitou à prefeitura local informações acerca da compatibilidade das atividades dos ditos plantões de bebidas e documentação sobre o funcionamento dos estabelecimentos. A Prefeitura Municipal encaminhou informações, em 16/05/2018. Nesse contexto, a Câmara de Vereadores se eximiu de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta para solucionar o impasse, e encaminhou legislação a respeito.

Transcorreu um período sem que medidas efetivas tenham sido tomadas.

O MP cita no pedido de liminar que “o Poder Público Municipal de Dom Pedrito, tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo, evita tratar da matéria, temendo o “passivo eleitoral” que tal medida pode causar”.

A decisão da justiça

Inicialmente, importante salientar que a necessidade de intervenção do Poder Judiciário decorre estritamente da inércia dos Poderes Executivo e Legislativo na solução dos transtornos narrados à exordial, pois desde o ano de 2016 há expediente no Ministério Público visando solucionar o entrave, inclusive, por meio de solicitação da OAB local. Ainda, no inquérito civil nº 01750.000.003/2018 foi encaminhado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) à Câmara de Vereadores, que manifestou desinteresse em firmar o TAC;

Realizada reunião em 30/11/2018 com a presença do Poder Executivo e Legislativo, oportunidade em que o Prefeito comprometeu-se a apresentar projeto de lei para votação na câmara de vereadores, inclusive, entregar pessoalmente para análise prévia do promotor de justiça, até o final do ano de 2018, o que foi cumprido, em fevereiro de 2019;

Em 04/06/2019, foi realizada audiência com o Secretário Geral de Governo, sendo que após análise conjunta do PL, restou em consenso o texto do PL, contudo, até o presente momento, não foi encaminhado à Câmara de Vereadores. Analisando o caso em questão, percebo que estão em conflito dois direitos previstos constitucionalmente: o direito à livre iniciativa e o direito à dignidade da pessoa humana daqueles que residem nas adjacências dos estabelecimentos demandados.

No ponto, importante asseverar que o direito à livre iniciativa não é absoluto, não podendo preponderar sobre os direitos da personalidade (dignidade da pessoa humana). Note-se que a própria Constituição Federal estabelece que a ordem econômica visa assegurar a todos a existência digna e que a livre iniciativa deve observar os princípios da soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, defesa do consumidor, meio ambiente, entre outros (CF, art. 170), demonstrando, assim, a relatividade do direito à liberdade de iniciativa.

Assim, há limites ao princípio do livre exercício da atividade econômica pelo particular, que deve observância às garantias constitucionais que protegem a vida, a liberdade, a intimidade e a vida privada do cidadão (art. 5º), de modo que tais valores não se excluem mutuamente, devendo conviver de forma harmônica.

No caso em tela, está comprovado nos autos que os estabelecimentos demandados contribuem para a perturbação daqueles que residem nas adjacências dos locais, ferindo os direitos à intimidade, tranquilidade, vida privada, dignidade e sossego dos moradores da região, pois não proporcionam ambiente apto para o consumo imediato das bebidas vendidas, utilizando-se da via pública como um supedâneo de um local adequado, fechado, com mesas e cadeiras, ou seja, que tenham acomodações mínimas, destinado ao lazer daqueles que ali frequentam.

Com efeito, foram acostados três abaixo-assinados e declarações presenciais no órgão do Ministério Público de moradores das localidades postulando solução ao poder público, já que a situação está insustentável, o que está comprovado pelo relatório da PATRAM que atestou a poluição sonora, bem como pelos vídeos e imagens acostadas à inicial, que ilustram o forte movimento e aglomeração de pessoas em via pública.

Mostra-se evidente que a aglomeração/circulação de pessoas, fluxo de automóveis e algazarras, são prejudiciais ao sossego público, causando deterioração da qualidade de vida dos habitantes do entorno. Não obstante a isso, poder-se-ia argumentar que os demandados não possuem ingerência imediata na conduta dos consumidores, contudo, ao não proporcionar ambiente apto para que sejam consumidas as bebidas vendidas, torna-se inevitável que os clientes desses estabelecimentos permaneçam em frente às residências ali localizadas, inclusive fazendo as necessidades fisiológicas na via pública, muitas vezes defronte às residências, nos termos da declaração de fl. 536 dos autos.

Assim, da relação havida entre as partes (coletividade e empresários) pode-se aferir que há um flagrante abuso do direito à livre iniciativa, visto que extrapola os limites legais e passa a ferir direito de terceiros. Veja-se que a conduta dos demandados visa tão somente ao lucro desmedido, afrontando, desta feita, a dignidade da pessoa humana dos moradores das adjacências. Aliás, nesse sentido, já decidiu o E.TJ/RS em casos semelhantes: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SANTANA DO LIVRAMENTO. ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS. AVENIDA JOÃO GOULART ¿ BR 158. POLUIÇÃO SONORA E PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. RESTRIÇÃO DE HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. POSSIBILIDADE.

1. Em que pese a economia prime pela livre iniciativa, as atividades exercidas pelos particulares, com intuito de lucro, estão sujeitas não somente ao controle a ser exercido pelo Estado, mas também aos ditames previstos na Constituição Federal, consoante previsão contida no artigo 170, caput e incisos III e VI, da Constituição Federal.

2. No caso, restou comprovado que o estabelecimento comercial do agravante contribui decisivamente para a perturbação do sossego da vizinhança, diante da aglomeração de pessoas que forma em seu entorno, em razão do seu atrativo, consistente no comércio de bebidas, causando transtornos de toda ordem à comunidade.

3. Não se pretende tolher do particular a possibilidade de exploração da atividade, apenas garantir que o exercício desta atividade ocorra de forma harmônica com a preservação do meio ambiente, já que a prova colhida durante o inquérito civil refere a perturbação do sossego durante o horário de descanso noturno. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70076104199, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em: 28-03-2018) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. POLUIÇÃO SONORA E PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. RESTRIÇÃO DE HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. POSSIBILIDADE. –

Embora a ordem econômica brasileira esteja fundada no primado da livre iniciativa, as atividades exercidas pelos particulares, com intuito de lucro, estão sujeitas não somente ao controle a ser exercido pelo Estado, mas também pelos demais primados e garantias assegurados pela Constituição Federal, como a função social da propriedade, e a defesa do meio-ambiente, consoante previsão contida no artigo 170, caput e incisos III e VI, da Constituição Federal.

– No caso, restou comprovado que o estabelecimento comercial do agravante contribui decisivamente para a perturbação do sossego da vizinhança, diante da aglomeração de pessoas que forma em seu entorno, em razão do seu atrativo, consistente no comércio atacadista e varejista de bebidas, causando transtornos de toda ordem à comunidade. – No entanto, a limitação do horário apenas se justifica para as vendas a varejo, não havendo motivo plausível que justifique a limitação de horário para o funcionamento do local para as vendas realizadas na modalidade de tele-entrega, pois não se pode ignorar que tal modalidade de venda não causa perturbação à ordem pública, à segurança, ao sossego etc.. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70065237299, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em: 21- 08-2015) AÇÃO POPULAR, ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. POLUIÇÃO SONORA. Mostrando-se evidente a poluição sonora a que estão submetidos o autor e as pessoas que residem nas cercanias de estabelecimentos comerciais que exploram o lazer noturno e impondo o Código de Postura do Município às casas de diversões que dispõem de orquestras, bandas ou alto-falantes, a utilização de dispositivos especiais para que o ruído assim produzido não perturbe o sossego da vizinhança (lei Municipal n¿ 1.145, de 14 de abril de 1965), afigura-se impositiva a limitação de horário para a realização de tais atividades.

Agravo parcialmente provido. (Agravo de Instrumento, Nº 70002925188, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Honório Gonçalves da Silva Neto, Julgado em: 30-08-2001) Assim, considerando os inúmeros transtornos gerados pelo exercício desmedido da atividade empresarial aos moradores das redondezas, sem que nenhuma conduta tenha sido tomada pelo ente municipal ou pelos próprios estabelecimentos demandados, imperativo se faz a intervenção jurisdicional a fim de garantir, com base no princípio da proporcionalidade, o exercício de ambos os direitos que estão em conflito, sendo necessária a limitação do direito à livre iniciativa dos estabelecimentos requeridos. Igualmente, salienta-se que o art. 13 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul atribui a competência de estabelecer horário de funcionamento do comércio aos Municípios, ao passo que a Súmula 38 do STF prevê: ¿é competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial¿. E, no Município de Dom Pedrito, a Lei nº 1.211/05, Código de Posturas, no art. 127 refere: ¿os estabelecimentos comerciais definidos na Seção I, Capítulo III, Título IV, do Código de Posturas Municipais ¿ Cafés, Restaurantes, Bares, Botequins, Mercadinhos, Lancherias e Similares passarão a funcionar em horário livre¿.

Dessa forma, acompanho o entendimento do Ministério Público no sentido de que dispor livremente acerca do horário é o mesmo que nada estabelecer, razão pela qual merece acolhida o pedido de suspensão liminar dos efeitos da norma.

3. Ante o exposto, defiro parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional final, a fim de:

a) suspender os efeitos do art. 127 da Lei Municipal nº 1.211/05;

b) limitar o horário de funcionamento dos estabelecimentos demandados das 8h às 24h (meia-noite) todos os dias, restando autorizado o funcionamento das 08h às 02h nas vésperas dos feriados de natal, ano novo e carnaval;

c) proibir a venda de bebidas alcoólicas após às 24h (meia-noite) em lojas de conveniência de postos de combustíveis (as quais poderão permanecer abertas desde que não vendam bebidas alcoólicas a partir das 24h);

d) determinar ao ente municipal a efetiva fiscalização em todos os plantões e similares, durante o horário noturno, intensificando nos finais de semana e vésperas de feriados, a fim de impedir o descumprimento da presente decisão e evitar a manutenção dos transtornos pelos consumidores que permanecerem nos locais (com a presença de conselheiros tutelares, se necessário, considerando que há crianças e adolescentes nos locais durante a madrugada), assim como coibir a partir das 24h, com base nesta decisão, a venda de bebida alcoólica por ambulantes, veículos, trailleres e reboques de alimentação, caminhões, food-trucks;

e) determinar ao ente municipal a obrigação de não fazer, consistente em abster-se de fornecer alvará para o funcionamento de estabelecimentos de venda de bebidas alcoólicas (inclusive, trailleres e reboques de alimentação e lojas de conveniência) e bares que não atendam a todos os requisitos legais, incluindo os atinentes à legislação ambiental e urbanística;

f) determinar ao ente municipal a obrigação de fazer, consistente em exigir estudo de impacto ambiental (EIA) e de vizinhança (EIV) previamente à concessão de alvarás de funcionamento a quaisquer estabelecimentos comerciais (trailleres e reboques de alimentação também) que pretendam vender bebidas alcoólicas, o que deverá ser aplicado, inclusive, aos estabelecimentos réus;

g) determinar ao ente municipal a obrigação de fazer, consistente em, no prazo de 30 dias, suspender e cancelar os alvarás dos estabelecimentos comerciais demandados que não possuírem licenciamento ambiental e de impacto de vizinhança ou os que tais estudos de impacto concluam pelo fechamento do estabelecimento ou sua realocação;

h) determinar ao Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Brigada Militar e da Polícia Civil (com a presença de conselheiros tutelares, se necessário), a obrigação de fazer, consistente em realizar permanente fiscalização do trânsito durante as noites e madrugadas, no entorno dos estabelecimentos comerciais réus e assemelhados ou quando formarem-se aglomerações de pessoas nas referidas localidades; e

i) responsabilizar o Município demandado pela ampla divulgação à comunidade de Dom Pedrito, por meio de imprensa escrita e falada, acerca das alterações aqui determinadas.

Saliento que os demandados possuem o prazo de 15 dias, a contar da intimação desta decisão, para adequação das medidas aqui determinadas. Observo que em caso de descumprimento de quaisquer destas medidas pelos estabelecimentos demandados ser-lhes-á aplicada multa diária, que arbitro, desde já, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de descumprimento, limitada a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quando poderá ser revista por este juízo, sem prejuízo de cassação de alvará de funcionamento e interdição do estabelecimento.

O ente municipal também estará sujeito à aplicação de multa diária a ser arbitrada por este juízo em caso de descumprimento. Registro que os horários estabelecidos acima poderão ser reanalisados no curso da instrução.

O Ministério público irá recorrer da decisão, pois entende que os plantões de bebidas devem fechar mais cedo ainda – às 22h.

Como a decisão é em caráter liminar, a prefeitura de Dom Pedrito Também pode recorrer da decisão.

Fonte: Ministério Público

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