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Pedritense Bruno Gularte Barreto lança livro 5 Casas

Em depoimento ao jornalismo da Qwerty, Bruno conta um pouco de suas origens e o processo de construção e amadurecimento que o levou a se destacar como artista

Com financiamento da Lei Aldir Blanc, o projeto 5 CASAS retrata a busca pelas memórias de infância do artista pedritense Bruno Gularte Barreto, 20 anos após deixar Dom Pedrito.

Essa busca se dá através de um extenso trabalho de arqueografia pessoal, em que o artista coleta fragmentos da sua história, marcada pela morte prematura de seus pais. Ao buscar reconstruir as memórias de um passado que tentou esquecer, como que tentando apagar a dor da perda, do luto e das saudades, ele se depara com as complexidades e contradições, e vai reencontrar e retratar uma série de lugares e pessoas que foram importantes na sua formação.

5 CASAS retrata pessoas importantes na sua infância e Bruno, o menino cujos pais morreram muito cedo. Esses são os personagens que vão guiar esse percurso rumo a um universo de imagens fragmentadas, paisagens esquecidas e laços desfeitos. Ao retornar em busca de suas lembranças o artista vai se deparar não somente com a realidade dos lugares e pessoas que ficaram, mas também com a possibilidade de redescobrir a sua própria história.

O Projeto 5 CASAS, teve origem no programa de mestrado em poéticas visuais no PPGAV/UFRGS.

Desde então, o projeto contou com a realização de uma exposição a convite do Centro de Fotografia de Montevideo e de um longa-metragem documental 5 CASAS / 5 HOUSES, que segue percorrendo o circuito de festivais internacionais, tendo em março de 2021, estreado na França, no Festival de Toulouse e, neste mês estreou na Itália no Biografilm, em Bolonha.

Bruno enviou exemplares a Prefeitura de Dom Pedrito e um deles dedicado ao prefeito Mário Augusto, que ficará no gabinete do Prefeito e os demais na Biblioteca Municipal Rui Barbosa, onde será disponibilizado para toda comunidade.

O livro pode ser adquirido diretamente: http://livrariabaleia.com.br/product-page/5-casas

Sobre o escritor

Bruno atua como artista visual, diretor e fotógrafo. É mestre em poéticas visuais pelo PPGAV/UFRGS. Suas obras integram, entre outras, as coleções do MAM-RJ, MARGS-RS, MAC-RS e Coleção Joaquim Paiva. Projeto ao qual se dedica atualmente, “5 CASAS” compreende uma série de exposições fotográficas, livro e longa metragem documental, contando com o financiamento do IDFA Bertha Fund (Holanda – Fundo de desenvolvimento do International Documentary Film Amsterdam), PRODAV 04 (Brasil, FSA – desenvolvimento de séries documentais), PRODECINE 05 (Brasil, FSA – produção de filmes com inovação de linguagem) e NRW Stifung (Alemanha – finalização).

O depoimento pessoal

Esta é a única foto de mim criança que eu me lembro de ter tirado. Eu nasci numa cidade pequena, mas tinha um estudiozinho de um fotógrafo no centro. A minha mãe me arrumou todo e me levou lá para fazer esse retrato. Nessa época a gente ainda não sabia, mas ela já estava doente. A gente morava numa casa grande no centro. A casa onde eu nasci e me criei. E foi na parede da sala dessa casa que o pai pendurou essa foto.

No verão seguinte, a mãe morreu. Três meses depois de eu completar 8 anos. Depois disso, a casa nunca mais foi a mesma. A foto ficou lá na parede por mais 4 anos. Até que a gente descobriu que o pai também tava doente. Quando ele morreu, eu e meus irmãos precisamos esvaziar a casa. A gente dividiu o que conseguiu, mas sobrou muita coisa sem valor. Os livros velhos da mãe, as fotografias de família, brinquedos quebrados. Aquelas coisas que a gente juntou a vida inteira, e agora não tinha coragem de jogar fora.

No meio delas tava a foto que eu mesmo tirei da parede da sala. A gente juntou essas coisas e colocou dentro de caixas de papelão que a gente guardou num galpão na fazenda do meu avô. Essas caixas ficaram lá, fechadas no escuro por 20 anos, até que uma noite um vento muito forte arrancou um pedaço do telhado do galpão. Foi então que eu precisei voltar lá pra abrir essas caixas e lidar com essas coisas.

Mas, para minha surpresa, quando eu voltei, eu não encontrei só essas caixas. Eu acabei reencontrando a cidade onde eu nasci e as pessoas que eu deixei para trás quando eu fui embora. Parecia que elas estavam lá, guardadas no escuro todos esses anos esperando eu voltar.

Quando eu fui embora da cidadezinha de Dom Pedrito, eu estava cheio de rancor. As memórias da cidade estavam contaminadas não apenas pela dor da perda, mas também por que eu – assim como as pessoas nas 5 casas – sempre me senti um outsider na sua sociedade conservadora e preconceituosa. Quando eu parti, os únicos laços de amor e conforto que eu tinha com a cidade haviam sido abruptamente desfeitos, e ir para longe foi um alívio, pois eu finalmente poderia esquecer o passado e começar uma vida nova. Esquecer o passado era libertador. No entanto, o que há de curioso sobre a memória é que ela não pode ser domesticada. E, ao esquecer a dor do passado, eu acabei esquecendo muitas coisas boas junto com as ruins.

Durante muitos anos, a minha forma de lidar com o luto foi não pensar no passado. Eu finalmente pude perceber o quanto estava perdendo nesse processo de esquecimento quando me dei conta de que já não me lembrava do som da voz da minha mãe. Eu consigo lembrar do seu rosto e de imagens, mas a sua voz eu perdi para sempre. Tentar parar esse processo de apagamento foi o estopim inicial deste trabalho. Tentar encontrar e recriar as imagens da minha infância antes que seja tarde.

Durante este processo, pude recuperar algumas memórias, como as grandes alamandas amarelas que minha mãe plantava no pátio, o som da caminhonete do meu pai chegando em casa, a textura das pedras na lareira, o cheiro de perfume e lã dentro do guarda-roupas deles… Por muito tempo, tentei esquecer essas imagens, querendo esquecer a dor da perda, da solidão, da morte. Me esforcei para encaixotá-las e escondê-las no escuro. Foi preciso um vendaval para que tivesse coragem de trazê-las à tona.

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