Movimento à Margem, curta dirigido por uma pedritense, é indicado para concorrer em uma das categorias do Festival de Cinema de Gramado
Lícia Arosteguy concedeu entrevista, dando detalhes sobre a produção

O curta Movimento à Margem, que tem na direção a pedritense Lícia Arosteguy, foi um dos indicados na categoria ‘Curtas-metragens gaúchos – prêmio Assembleia Legislativa’, no 46º Festival de Cinema de Gramado, que acontece em agosto. Lícia concedeu entrevista e deu mais detalhes sobre o filme, que levou cerca de 11 meses para ser totalmente produzido. Ela gentilmente cedeu algumas fotografias, que o leitor poderá conferir na galeria, ao final da entrevista.
– Como surgiu a iniciativa de produzir o curta?
Desde 2005, o Centro Cultural Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, abrigava um projeto da prefeitura denominado Usina das Artes. Através desse projeto, periodicamente eram lançados editais de ocupação das salas da Usina, onde grupos e companhias de dança e teatro eram selecionados para desenvolver suas pesquisas, aulas, ensaios e espetáculos, devendo, como contrapartida, promover nesses espaços atividades culturais abertas à população e atividades educacionais que contemplavam alunos da rede pública de ensino. Em junho do ano passado, com a iminência da reforma da Usina, os artistas foram comunicados que o prédio seria fechado e todos os participantes do projeto seriam realocados para outras instalações – precárias e que deveriam ser “arrumadas” pelos próprios artistas – sem que estivesse previsto um retorno para o Gasômetro após a reforma. Para teres uma ideia, os grupos que decidiram mudar-se para esse “novo” local, sem remuneração e aguardando que um edital fosse aberto em 2018, precisaram organizar um mutirão de limpeza no lugar, que, além de não oferecer uma estrutura adequada para o desenvolvimento das atividades que eram realizadas na Usina, não comportava todos os participantes do projeto, não oferecia sequer segurança para o armazenamento dos materiais dos grupos e já era ocupado por uma cooperativa que não tinha interesse em dividir aquele espaço, que era deles há 10 anos. Foi nesse contexto que os artistas gestores da Sala 209, Eduardo Severino e Luciano Tavares, junto a também artista e participante do Coletivo da Sala 209, Bia Diamante, me chamaram e propuseram que fizéssemos um documentário sobre o que representou a Sala 209 e o contexto que levou ao encerramento das suas atividades. Hoje, um ano após a saída dos artistas, a reforma da Usina ainda se encontra em fase de “projeto básico”, pré-licitação. Ou seja, a prefeitura praticamente acabou com um projeto que se mantinha funcionando no Centro Cultural Usina do Gasômetro há 12 anos e até agora nada aconteceu.
– Qual foi à representatividade da Sala 209 no contexto cultural de Porto Alegre?
A Sala 209 foi um espaço público dedicado à pesquisa, estudo e difusão da Dança Contemporânea em Porto Alegre. Durante os 12 anos em que a Eduardo Severino Cia de Dança geriu a 209 (em conjunto ora ao Grupo Tato ora à Ânima Cia de Dança, dentre outros grupos e artistas), diversos projetos foram desenvolvidos com artistas locais, artistas de outros estados do Brasil e artistas estrangeiros. Muita gente circulou naquele espaço, participando dos vários workshops promovidos pelos grupos. A Eduardo Severino Cia de Dança desenvolveu na sala cerca de 10 espetáculos. Através da possibilidade de ter um espaço de trabalho, essa companhia pôde se desenvolver e alcançar visibilidade internacional. Além disso, apesar de haver um grupo responsável, a sala sempre foi amplamente compartilhada com a comunidade artística. Se um grupo precisasse de um espaço temporário de trabalho, por exemplo, o Eduardo tentava encaixar na grade de horários, de modo que a sala sempre estivesse sendo útil. Era difícil chegar na 209 e não ter nada acontecendo. No projeto de reforma da Usina, a Sala 209 se torna um anexo do Teatro Elis Regina, que se situa ao lado da sala. Esse teatro se encontra em obras há 23 anos, era usado apenas para ensaios nas condições em que se encontra, e não está incluído no projeto de reforma atual da Usina. Ou seja, um espaço amplamente utilizado, como a 209, está se tornando sala de apoio para um teatro que, ao que tudo indica, permanecerá inacabado e subutilizado.
– Quanto tempo o projeto levou para ser desenvolvido, do início até a finalização dos trabalhos?
As filmagens foram realizadas durante duas semanas, em junho do ano passado. Após isso, iniciou-se uma coleta de material de arquivo junto aos artistas do coletivo, paralelamente à montagem do filme, processo que durou mais ou menos 7 meses. A finalização de imagem e som ocorreu entre abril e maio desse ano, totalizando 11 meses de trabalho para a conclusão do projeto.
– Quantas pessoas trabalharam na produção?
A concepção e produção do trabalho foi feita em parceria com os artistas Eduardo Severino, Luciano Tavares e Bia Diamante. Lucas Tergolina co-dirigiu as filmagens comigo e Juan Quintáns entrou na pós-produção, com o desenho de som. Uma equipe pequena, seis pessoas. Contamos com a colaboração de vários artistas do Coletivo de Dança da Sala 209, na coleta de material de acervo, e com o apoio do Rafael Klein (R Camera).
– A equipe esperava uma indicação ao Festival de Gramado? Como vocês receberam a notícia?
Esse é o primeiro filme em que, além da direção de fotografia, atuo como diretora e roteirista. A indicação foi realmente uma surpresa, principalmente por se tratar de um documentário que toca em temas políticos atuais de Porto Alegre. Ficamos entusiasmados em poder levar a mais pessoas um pouco da história da Sala 209 bem como as tantas questões que envolvem o contexto do seu encerramento. Esperamos que o filme possa gerar reflexão e debate em torno de políticas públicas dedicadas à cultura, e que possamos questionar cada vez mais o porquê de a classe artística estar sendo crescentemente marginalizada no nosso país.