Judiciário remete documentos ao MP para apurar eventual cometimento de peculato e improbidade administrativa de ex-secretários da Saúde

Em 2014, uma mulher identificada como Dilce Mara Pedroso Sanches promoveu uma ação ordinária contra o Estado, conforme processo nº 012/1.14.0001177-1. De acordo com o documento, ela buscava a substituição de prótese, em razão de ser portadora da enfermidade classificada no CID M.17.1 (artrose de joelho). Na ação, sustentou que o direito à saúde constitui direito social previsto na Constituição Federal, o qual deve ser tutelado pelo Estado (Município e Estado).
Ela pediu também, a antecipação da tutela e a procedência da ação, juntando diversos documentos e lhe sendo deferida a Assistência Judiciária Gratuita – AJG. O Ministério Público também se manifestou pela procedência do pedido, cabendo então ao Juiz da 2ª Vara da Comarca de Dom Pedrito proferir a sentença.
De acordo com a decisão do magistrado, publicada em 27 de outubro de 2015 , “no mérito, trata-se de ação ordinária em que a parte autora pretende receber do Estado do Rio Grande do Sul os meios e tratamentos necessários à realização da substituição da sua próteses, necessária à sua qualidade de vida e saúde, em face de ser portador de CID-M17.1, motivo pelo qual o pedido deve ser acolhido”.
Ainda conforme a decisão, “confirmo a liminar concedida e julgo procedente o pedido formulado por Dilce Mara Pedroso Sanches em desfavor do Estado do Rio Grande do Sul, para condenar o réu a fornecer os meios necessários e a realização do procedimento cirúrgico de substituição, no prazo de 15 (quinze) dias, custadas integralmente:
a) despesas de deslocamento da autora e um acompanhante, caso seja necessário realizar o procedimento em outra cidade;
b) gastos com hospitalização, honorários médicos e alimentação em razão do procedimento cirúrgico, tudo sob pena de bloqueio”.
Após esta decisão, o valor de R$ 63.184,69 para a cirurgia de Dilce foi liberado. No entanto, segundo o processo, o valor foi utilizado para outra finalidade. Conforme a ex-secretária de Saúde, Ivanúcia Maciel Severo, o valor referente ao alvará 4797/87-2016 que seria utilizado para a cirurgia de Dilce em 13 de setembro de 2016, foi sacado pela ex-secretária mas, segundo ela, “utilizado para honrar outros procedimentos, mas com as prestações de contas devidamente realizadas”.
Este não foi o entendimento do Juiz da 1ª Vara que reavaliou o processo e emitiu parecer no início deste mês. Para o magistrado “não há qualquer autorização para o emprego desta verba para pagar despesas de outras pessoas”, fato que ocorreu neste caso, acrescentando que “inclusive havia determinação específica para devolução de eventual saldo aos cofres públicos estaduais, consoante se depreende da decisão, e com efeito para atender as despesas que a peticionante indicou”. Ainda conforme o Juiz da 1ª Vara, “pasmem, igualmente outros alvarás foram expedidos, a partir de bloqueios
específicos na conta bancária do Estado do Rio Grande do Sul”, e prossegue dizendo, que “ora, evidente que as despesas apresentadas já foram custeadas pelos alvarás 177/3-2016, 2881/50-2015, 40/10-2016, 43/13-2016, 2821/309-2014, 2951/120-2015, 4721/11-2016, 2953/2-2016, 4706/207-2015, 4732/22-2016, 2967/16-2016, 178/4-2016, 158/12-2015, 466/167-2015 e 158/12-2015. E se não fosse assim, onde está afinal os ativos sacados nesses alvarás por Raul Zanolete e Caroline da Silva Gonçalves?”.
“E mais: se o valor sacado foi de R$ 63.184,69, bem como as despesas arroladas importam de R$ 63.042,34, resta ainda assim um saldo de R$ 142,35”, completou o magistrado da 1ª Vara. Diante destes fatos, e segundo decisão do Juiz, “foram remetidas ao Ministério Público cópias das laudas, para apurar eventual cometimento de peculato e improbidade administrativa, haja vista a existência de indícios de desvios de recursos públicos destinados a pessoas desvalidas e enfermas”.
Ainda em suas decisões finais, o magistrado disse “considerando já ter decorrido o prazo para cumprimento voluntário da condenação do Estado à realizar o procedimento cirúrgico, bem como que a verba anteriormente disponibilizada foi recebida pela ex-secretária de Saúde e não devolvida, com amparo no art. 536, caput e § 1º, do CPC/15, defere-se o bloqueio de R$ 62.958,80 (conforme menor orçamento apresentado), com a finalidade de fornecer os meios necessários e a realização do procedimento cirúrgico de substituição, custadas integralmente:
a) despesas de deslocamento da autora e um acompanhante, caso seja necessário realizar o procedimento em outra cidade;
b) gastos com hospitalização, honorários médicos e alimentação em razão do procedimento cirúrgico”.
“O alvará deverá ser expedido em nome do novo secretário da Saúde do Município, e não da parte, devendo ser intimado o referido secretário para que proceda da forma necessária, no prazo máximo de cinco dias, vedado o uso para qualquer outro fim, e ainda preste contas no prazo de até 30 dias após a realização do procedimento cirúrgico, a qual deverá ser instruída com notas fiscais e recibo de pagamento autônomo (RPA), devolvendo eventual saldo aos cofres públicos estaduais, mediante depósito judicial. Deverá ser anexada também à intimação, o alvará e as cópias da presente decisão, do receituário médico e dos orçamentos anexados pela parte autora, a fim de viabilizar o cumprimento da ordem judicial”, finalizou o Juiz da 1ª Vara.
Conversamos com os outros dois citados na reportagem, visto que a ex-secretária Ivanúcia confirmou ter usado o valor, mas que já havia prestado contas. Para a ex-secretária Caroline da Silva Gonçalves, as contas já foram prestadas, e mesmo após ter deixado a secretaria, toda vez que foi solicitada encaminhou cópias de documentos, pois jamais se omitiu”, ela acrescenta que desconhece o processo, mas que irá verificar.
Já o ex-secretário Álvaro Raul Zanolete, ” já apresentamos as prestações de contas e solicitamos o arquivamento. Isso ocorria seguidamente com a ex-secretaria Caroline”. Ele disse, que um é no valor de R$ 5,00 e outro de R$ 16,00. Ainda conforme Raul, as prestações destas duas contas ocorreram em agosto e dezembro do ano passado, o que mostra, segundo ele, que foi um erro.