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Capitão Augusto Porto fala sobre o sistema carcerário brasileiro em meio as diversas rebeliões que aconteceram nos últimos dias

Tendo em vista os assassinatos ocorridos em um Presídio de Manaus decorrente de uma guerra entre facções criminosas, a Qwerty Portal de Notícias foi atrás de informações acerca do sistema penitenciário de forma a melhor esclarecer a população sobre este tema bastante complexo e que envolve várias instituições, autoridades e depende muito das iniciativas políticas. Desta forma, nossa equipe de jornalismo conversou com o ex-comandante da Brigada Militar de Dom Pedrito, Capitão Augusto Ferreira Porto, que se disponibilizou a responder nossas perguntas.

Capitão Augusto Porto, na sua opinião, o que está errado no sistema penitenciário brasileiro? Em princípio, cumpre esclarecer que a execução da pena é apenas uma parte da problemática, a qual deve levar em conta as leis, as instituições policiais, o Poder Judiciário, e principalmente o poder político, que poderia agir para minorar os problemas, mas cuja inação é notória, e quando agem, normalmente acabam “metendo os pés pelas mãos” muitas vezes por deixar de ouvir os técnicos da área. Nesse viés, muita coisa está errada e não vejo, no atual cenário político, gente capacitada para tomar as atitudes saneadoras.

Qual a melhor forma de ressocialização, se é que isso possível? Falando hipoteticamente, é claro que é possível a ressocialização. Ocorre que o Brasil tem ido na contramão do que é necessário fazer. Somente o trabalho é capaz de ressocializar alguém que deve ser preservado da influência nefasta de outros criminosos também reclusos no sistema penitenciário.

É possível, na prática, estabelecer a obrigatoriedade do trabalho aos apenados e deixá-los separados dos demais detentos? Esse é um dos grandes problemas do Brasil. Nossa Constituição Federal embora tenha trazido ao sistema jurídico brasileiro muitas garantias ao cidadão, ela extrapolou quando engessou a regulação da sociedade pelas chamadas “cláusulas pétreas” que impedem modificação em determinadas parte da constituição da república (artigo 60). Existe um direito individual previsto no artigo 5º, inciso XLVII, onde está consignado que é proibida a pena de trabalhos forçados. Na Constituição dos EUA, apenas a título de curiosidade, existe a proibição ao trabalho forçado, exceto em caso de condenação criminal. A lei de execução penal também estabelece uma dificuldade quando prevê que o trabalho do preso deva ser remunerado (art. 29) em valor não inferior a ¾ do salário mínimo. Dessa forma fica difícil que o trabalho seja implementado a todos os apenados como forma de ressocialização. Quem empregaria um apenado tendo que pagar essa alto valor? O risco é grande.

Sabe-se que hoje os apenados vivem amontoados em celas e galerias, onde entram celulares e, de lá, muitas vezes, acabam comandando organizações criminosas. A que se deve isto? Se deve à ineficácia do poder público, que legisla mal, é composto muitas vezes por “palpiteiros” em cargos de livre nomeação pelo executivo, é moroso quando o assunto é investimento etc. Muitas vezes as soluções precisam ser rápidas, eficientes e devem partir de pessoas que num plano ideal deveriam conhecer a realidade; mas não conhecem.

O senhor acredita que a iniciativa privada poderia ser a solução para dar efetividade à ressocialização? Novamente, falando num plano hipotético, sim. E veja-se que não estou falando em PPP (parceria público-privado). Vejam o que aconteceu em Manaus. Esse tipo de parceria no Brasil não dá certo. Vira um jogo de empurra-empurra no que tange à responsabilidade quando ocorrer um infortúnio. A execução da pena deve ser, no Brasil, regida totalmente pelo Poder Público ou totalmente pela iniciativa privada. De qualquer sorte, deveríamos ter modificações legislativas de forma que o poder público fosse efetivo no cumprimento da pena, bem como o privado pudesse exercer o controle hipoteticamente falando e fosse atrativo o desempenho dessa função.

Quais os inconvenientes, hoje, de a execução da pena ser exercida pelo Poder Público? No Brasil, inicialmente, vejo a gerência de assuntos afetos à segurança pública ou prisionais, nos altos escalões, sendo feita por pessoas que como eu já disse são “palpiteiros”. A lei de licitações também é extremamente morosa, burocrática e não impede a corrupção. As coisas acontecem na vida real em uma velocidade espantosa e algumas áreas do Poder Público deveriam responder a altura. Não vejo, no modelo atual, com o Legislativo Federal que temos, como fazer todas essas mudanças legislativas de forma técnica, rápida e que atendam a eficácia que se faz urgente.

E quais os inconvenientes da iniciativa privada exercer o controle da pena? No Brasil tudo é muito difícil. Um cidadão de bem tem extrema dificuldade em se armar e proteger sua vida e sua família. As empresas de segurança privada também sofrem esse problema. A legislação emperra que tais empresas tenham pessoas contratadas bem preparadas, sejam com armas, defesa pessoal etc. Em muitos casos os seguranças não podem nem usar armas, o que é absurdo num país com altos índices de violência como o Brasil.

O senhor vê o Brasil como um país que tem uma alta taxa de pessoas presas? Isso é falácia. Os EUA tem hoje 2 milhões e 200 mil presos, o que equivale a 0,68 por cento de sua população. O Brasil não tem 800 mil presos, dos quais, cerca de 1/3 estão no regime fechado, ou seja, efetivamente presos. Logo temos um número muito baixo de reclusos frente ao número populacional de nosso grande país de dimensões continentais.

Quando alguns ditos especialistas dizem que é chegada hora de desafogar presídios com uso de tornozeleiras eletrônicas, prisões domiciliares e outras medidas o senhor vê como uma coisa certa ou errada? Erradíssima. Quem irá controlar isso? O Estado? Ora o preso já está nessa situação por não saber cumprir regras sociais. Querem deixar ele se autodisciplinar? É um absurdo. Na prática, o que acontece é que presos que estão fora da custódia direta do estado, seja com uso de tornozeleiras, prisão domiciliar, regime semiaberto, aberto e tantos outros benefícios legais ou judiciais, acabam por estar nas ruas cometendo crimes. Assim essa benevolência legal que desafoga o presídio a curto prazo, irá superlota-lo a médio e longo prazo, pois o bandido estando solto estará cometendo mais crimes e terá no futuro mais condenações, e por consequência lógica receberá mais penas; além de prejudicar pessoas de bem.

Então essas medidas são prejudiciais à sociedade? Exatamente. O Brasil deveria seguir o exemplo americano, quando, com base na teoria das janelas quebradas, implementou o programa tolerância zero que visava punir o pequeno delito para evitar o grande. Assim os EUA reduziram os altos índices de criminalidade. No Brasil é o contrário. Pararam de punir o pequeno delito com a Lei 9099/95 e, assim, estimularam o grande. Depois, o Brasil, sem punir adequadamente os delitos mais graves, estimulou a reincidência criminal a níveis alarmantes e assim chegamos a esse quadro de colapso.

Como poderia o Brasil resolver ou minimizar esses problemas já que as facções criminosas já tomaram conta dos grandes presídios brasileiros? O problema das facções nos principais presídios brasileiros está intimamente ligada ao tráfico de entorpecentes que se vincula diretamente a falta de controle de fronteiras. O entorpecentes que entram no Brasil em face de suas fronteiras abertas, fortalecem as organizações que estão fora e dentro dos presídios. Quando o estado não presta nem os recursos para a alimentação e demais gastos dos presídios as organizações crescem lá dentro. Hoje para resolver o problema precisa-se de uma forte dose de vontade política, mas esclarecida.

Esse caso ocorrido em Manaus o senhor vê como um caso isolado? Logo que aconteceu o fato eu conversava com um colega policial militar de Dom Pedrito e prevíamos que a coisa estava apenas começando. Depois houve o fato em Roraima e depois em Manaus novamente. A saída é complexa e depende da tomada de um conjunto de medidas também complexas de cunho administrativo, legal, judiciário, político e que depende de técnicos e não “palpiteiros”. A doença é grave e o remédio tem de ser amargo. O problema é o sentimento “politicamente correto” que muitas vezes impede o poder público da tomada das medidas necessárias com medo de parecer agressivo frente à mídia e a população em geral. Tenho que no Norte a guerra entre facções dará muito pano pra manga.

O senhor quando comandou a Brigada Militar em Dom Pedrito fazia revistas periódicas no presídio local. Isso era estratégia de controle do crime? Perfeitamente. Inicialmente além das ações rotineiras de policiamentos ostensivo, desenvolvíamos muitas operações com base nas investigações dos agentes de inteligência da Brigada Militar. Muitos indivíduos nocivos restavam presos e, periodicamente, visando inibir que lá dentro do presídio esses mesmos presos se organizassem, nós, conjuntamente com o pessoal da SUSEPE, fazíamos revistas, no intuito de tirar armas, celulares e drogas. Na época o diretor era o Ricardo e era grande parceiro para o controle carcerário, que era também medida de prevenção criminal, tanto lá dentro, quanto especialmente fora do presidio.

É possível as mudanças necessárias?  Sim. Mas isso exige uma grande cooperação entre União e Estados. Isso porque o Brasil é um arremedo de Federação.  A constituição estabelece responsabilidade acerca das casas prisionais aos estados.  Mas o governador não pode alterar lei penal e de execução penal pois esta questão é afeta à União.  Enfim.  O Brasil por questão de eficácia deveria rever seu pacto federativo para que os estados possam ter autonomia plena nos moldes que acontecem nos EUA por exemplo. Enfim sao questões que a nossa jovem democracia deverá rever com urgência sob pena de o sistema ser reiniciado por um ruptura institucional em face da inoperância das autoridades constituídas.

O entrevistado é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (2001), exerceu advocacia nos anos de 2001 a 2005 e compõe o quadro dos oficiais da Brigada Militar desde 2005 até a época atual.

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