Qwerty Editorial – Uma sociedade que julga
Em um momento em que todos tem o direito de opinar, que tal refletir um pouco sobre o dever de respeitar

Julgar é uma das condições que fazem do ser humano o que ele é. É um atributo, uma habilidade que foi desenvolvida enquanto ele evoluía como espécie, e nesse sentido não há nada de mal, muito pelo contrário.
Agora, em se falando de uma sociedade moderna, o ato de julgar vem se tornando algo cada vez mais delicado. Nós julgamos o tempo todo, do primeiro ao último momento do dia, nossa rotina é norteada por julgamentos. Analisamos o comportamento alheio; as ocorrências que dizem respeito à vida do outro e da sociedade como um todo; julgamos e na maioria das vezes condenamos as atitudes alheias, a maior parte delas perpetradas por nós mesmos; apontamos o dedo para reprimir os defeitos, as quedas e até mesmo possíveis resultados de ações que sequer existem ainda.
Com o advento da internet e o surgimento das redes sociais, onde as pessoas passaram a se conectar cada vez mais, uma ampla janela foi aberta para um campo desconhecido. A maioria das pessoas, despreparadas para a relação social que os dias atuais nos impõem, viram nessas telas brilhantes, sejam elas de computadores, tablets ou aparelhos celulares, a oportunidade de exporem suas opiniões, de dizerem o que pensam, e de uma forma assustadora, julgar como nunca antes se julgou.
Há quem diga que as redes sociais deram voz aos imbecis, e de certa forma, a afirmativa contém algo de verdade. Não é raro ver-se, principalmente no âmbito da imprensa, vozes se levantarem para acusar, condenar e maldizer aqueles que momentos antes aplaudiam. A propósito, nos vem à mente alguns ditos populares que nos consolam, quais sejam “A vaia é o aplauso do ignorante”; e outra “A vaia e o aplauso são faces da mesma moeda”, e por isso, uma relação instável.
Mas filosofias a parte, fazemos essa já longa introdução para mostrar o quão despreparada é nossa sociedade que, aliás, parece se diferenciar dos tempos da idade média e até mesmo da lei mosaica, apenas pela legislação vigente, pelas leis atuais que, embora falhas, nos limitam bastante as ações. Se antes possuíamos o direito de pagar na mesma moeda e assistir execuções em praça pública, hoje, um teclado nos oferece a liberdade, muito embora passível de punição, de, diante de uma tela, tecer comentários, ofender e ridicularizar quem quer que seja.
Na semana que passou, tivemos na Comarca de Dom Pedrito, mais um tribunal do Júri, evento amplamente transmitido pela Qwerty Portal de Notícias. No banco dos réus, um homem que foi julgado por um crime bárbaro – assassinar e enterrar a companheira dentro da própria casa. Como se trata de um crime contra a vida, a comunidade local é convocada a compor um conselho de sentença para julgar se o acusado deve ser condenado ou absolvido.
Em lados opostos, dois homens com capas pretas. Um com a responsabilidade de acusar, o outro com a incumbência de defender, ambos, com a missão de convencer os jurados de suas teses. Ao final, as sete pessoas, representantes da comunidade pedritense, disseram que o homem era um criminoso e deveria ser condenado. Sob os ombros de um juiz, o trabalho de dizer que pena ele deveria ser condenado.
Estranhamente, apesar de o júri terminado, os julgamentos não cessaram. Mas como? Simples, já explicamos nas linhas acima – as pessoas, como que vestidas daquelas capas pretas, seguiram, através das redes sociais, emitindo seus pareceres. Alguns poucos, aplaudindo; outros tantos se perguntando do porquê de pena tão branda; mais adiante, aqueles que acusavam a justiça de falha e parcial, enfim, julgavam como a demonstrar serem pessoas infalíveis.
Sem fazer referência ao caso em questão, a maioria dos que pertencem a essa sociedade contemporânea age como o exemplo cristão de quem vê o cisco no olho do próximo sem perceber a trave que carrega na própria vista.
Eis uma sociedade que julga.